controvérsias

"A cada mil lágrimas sai um milagre”

Alice Ruiz

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Nina Violina (2005)

Conheci Nina num concerto solo de melancolia e devaneio. Em um tempo mais escuro, na década de 70, quando homossexualidade, além de palavra chula, não existia nos dicionários escolares. Num bar de fumaças e piano solitário, Nina confessa sussurrando:

“Sempre fui uma menina violina. Adorava John Wayne, futebol, enforcava minhas bonecas dadas por parentes que não conheciam minha devoção por revólveres e capas de super-heróis. Cresci assim, a compor cidades imaginárias e mundos com meus legos.
Mas assim que tudo cresce mais, cresci mais também.
Na escola, não compreendia minhas colegas descobrindo batons, roupas e acessórios, enquanto comentavam festinhas e garotos.
Eu descobri Violina. Meu violino. Uma companheira de fantasias, cor de mel, quatro cordas e infindáveis melodias. No início, dissonante como minha vida. Logo depois, fascinante em notas que me davam os sonhos mais distantes do mundo de meninas e meninos. Lançava música em um espaço infinito de onde brotava, conforme o ritmo, novas vidas.
Assim se tornaram meus dias, a sonhar com aventuras, a viajar pelo mundo com minhas cordas sonantes e notas polifônicas em momentos de harmonia, de vagar, de poesia. Tinha uma imaginação que me afastava das festinhas, que me mantinha viva na solitude desejada. O som de Violina me transformava na heroína de capa e espada, a dormir embaixo de árvores, voar junto com estrelas, caminhar sobre a Via Láctea, plantando flores luminosas em nasceres de sol e mil luas.
Meu mundo antes de conhecer. Ela.
A menina mais linda que já vira. Tinha cabelos pretos imprecisos, longos, escorridos. Olhos escuros a deixar a sala inquieta de tanta meninice indecisa: se desejava ou se corria.
Mas algo era dela que não sabia, mas adivinhava. Por algum momento, em algum instante, me vi apaixonada. Passei a desejar e a sonhar aquela menina. Ao mesmo tempo, intuía, tinha um proibido. Um instinto que reconhecia um amor impossível para todo sempre. Em amores impossíveis, sempre. E eu sofria. Sofria nunca quieta. Sofria Violina. Saía rodopiando valsas. Não eram mais aventuras que imaginava, sonhava em dançar com ela.
Fui ficando assim, interditada da vida. Porque ninguém sabia. Cresci errada, aberração que em mim nascia como puro sentimento. O impossível machucava, só não fez parar de sonhar com ela, fazendo amor entre minhas flores na Via láctea ao som de Violina. Casei tantas vezes, tive filhos, fui pai.
Neste mundo eu não cabia, mas era inteira no mundo de Violina. Sempre a tiracolo, pronta a atacar um universo de silêncio, na dor da diferença proibida. Eis que um dia luminoso, aparece uma menina que me vê e pergunta se gosto de meninas. Olhei extasiada, meu segredo prestes a ser revelado, coração aos pulos, saquei Violina assustada, mas antes, explodi:

- Então eu não sou a única?”