controvérsias

"A cada mil lágrimas sai um milagre”

Alice Ruiz

quinta-feira, 26 de março de 2009

Piratas Fake

Flávio sempre desejou uma companheira cúmplice, com afinidades, com desejo de crescer. E era extremamente exigente ao escolher uma namorada. Essa exigência é aquela, que não passa pela razão, mas pelo coração que releva todos os sinais de que aquela pessoa não é o que a razão queria, mas... era ela. A Raquel. O seu sonho encantado.
Apaixonaram-se perdidamente, mas pouco se encontravam. Flávio, as voltas com suas indecisões, sua tendência artística conflitando com a praticidade do dia a dia, dividia sua atenção entre os amigos roqueiros e maltrapilhos e a atenção dada a Raquel: apenas MPB suave e um cuidado pisando em ovos. Tudo tranquilo, Flávio tinha tudo isso dentro dele. Mas, aos poucos, com a relação crescendo, Flávio já não convidava mais os amigos porque Raquel estava sempre com dor de cabeça, não se sentindo bem, tinha planos futuros que não davam resultado, tinha ambições e nela não cabiam os amigos de Flávio com costumes amorais.
Ele, dedicado, procurava entender tantos humores tristes, procurava com afinco mostrar a ela toda a alegria de viver que ele tinha. Buscava caminhos de harmonia entre os dois, planejava eventos de beleza simples – banhos de lagoa, jantares a luz de velas – mas Raquel, embora receptiva aos seus carinhos, não mudava seu humor pesado. Com a intimidade, passou a ter ataques de raiva, se sentia desrespeitada por qualquer brincadeira que Flávio, em vão, tentava dar uma quebrada nas conversas tão sérias, no que Raquel, furiosa, revidava fechando a cara. Quanto mais Flávio se esforçava, mais Raquel se encolhia, a cara brava.
Decidiram morar juntos. Flávio pensou: “Agora sim, tudo vai ser diferente, seremos felizes na nossa casa.” E a mudança ocorreu cheia de atropelos, a vida material pedindo urgência, a grana curta, mas estavam lá, juntos. E Raquel, contrariada, não dormia mais com ele, se fechava em copas, não o beijava, mal falava.
Flávio não aguentou mais. Resolveu que era hora de colocar os pingos nos is e dizer o que sentia. E disse. Despejou sobre Raquel seus desejos contidos, suas impressões, a falta de amor dela para com ele, toda a sua frustração. Raquel olhou estupefata: “Flávio, desde que cheguei você só tem me agredido, eu estou tendo a maior paciência com você.”
Flávio surtou ao ouvir a Raquel reclamando dele. Começou a chorar sem parar, gritava e esperneava a incompreensão de Raquel que, a partir desse instante, virou a companheira que Flávio tanto desejava. Amorosa, compreensiva, ficou ao lado dele durante sua crise que durou dois dias. Fez tudo para aliviar o sofrimento de Flávio – sexo, inclusive – e toda sua atenção estava voltada para ele.
Flávio, cheio de remorsos, sentiu-se muito mal. Sentiu-se doente, acabado, neurótico, a beira da histeria. Percebeu, tristemente, que era ele o mal da relação. Que era ele que fazia com que tudo desse errado. Raquel, por sua vez, só o estimulava a aprofundar seu novo conhecimento sobre si mesmo. E tomou as rédeas da situação, enquanto Flávio transformava-se num triste sonhador decepcionado. Ele era o erro de tudo.
Flávio já não faz mais jantares à luz de velas, não sorri mais com espontaneidade, não brinca mais. Não ouve mais rock e não se encontra mais com ninguém.
Finalmente, ele era só, somente dela, da Raquel, que faz tudo por ele.

Restauro

Antes...
e depois: