controvérsias

"A cada mil lágrimas sai um milagre”

Alice Ruiz

terça-feira, 4 de novembro de 2008

A Fada (ou sobre a plenitude do amor) 2005

Não que eu queira que me dirijam a palavra como louca, ou mesmo como lunática. Não, senhoras e senhores. Desejo antes de tudo contar uma história de amor. Que me transformou na mais plena de todas as criaturas. Essa história, senhoras, é um apelo e uma esperança a todos os corações sedentos. E creiam, senhores, o que conto agora é a mais pura verdade.
Estava na minha paz, matando a sede com uma água da Velha do Coco, no centrinho da Armação. Distraída pelo mar, súbitas cosquinhas me fizeram espirrar. Olhei para minhas roupas e logo reconheci o pó dourado jogado sobre mim. Senhoras e senhores, era o velho pó de pirlimpimpim. Virei na direção da mulher que o soprou.
Estudei a vida inteira seres encantados, mas não tinha visto unzinho até aquele dia. Ela, a Fada. Da minha altura, com suas orelhas pontiagudas, cabelos brancos, olhos cinza cintilantes e asas de borboletas azuis. Acenando discretamente para mim. Mantinha a prudente distância de 20 cm do chão, flutuava e dançava suavemente um convite a segui-la.
Senhoras e senhores, nenhuma surpresa eu senti. Pelo contrário, uma familiaridade e uma paz sonhada na alma deram rumo aos meus pés. Seu movimento elegante de princesa sonhadora e sorriso de menina me dominou.
Fui atrás desta Fada com calma e alegria singela pelas vielas da cidade, a observar seus ombros largos e mãos fortes. Vez por outra virava para trás, garantindo sua sedução pelo olhar. Nada podia fazer, senhoras, a não ser persegui-la delirante e enfeitiçada.
Sabia-me encantada, senhores, e meu olhar fixo temia perdê-la em alguma bruma desconhecida. Mas foi numa trilha mágica, entrando pela mata selvagem do Morro do Matadeiro, que me percebi radiante. Estava voltando para casa, era tudo que meu coração pedia.
A Fada, estonteante e delicada, finalmente parou. Sentou-se em um tronco milenar de um guarapuvu. Olhava sensível e amorosa à espera de minha aproximação. Magnetizada, senti ainda o perfume da flor dama da noite a anunciar os próximos momentos. Não quero deixar de surpreendê-los, senhoras e senhores, mas o que podia passar-se como óbvio, não o foi.
Minha Fada sublime, de beleza única, sussurrou com uma voz rouca e gravemente masculina meu nome. Tirou o vestido tímido e vi seus seios perfeitos. Com o olhar mais intenso ainda, deixou à mostra seu pênis lindo, pronto para o amor.
Desde esse dia nunca mais nos separamos, senhoras e senhores. Encontrara meu sonho de criança e adulta, o amor de minha eternidade, a alma que buscara incessante em uma forma majestosa, rica e delicada. Mas não se enganem, meus amigos, essa história não fala de corpos e matéria.

Fala de almas que contém o estranho invisível e que um dia, compreendidas e amadas, vão ser.

Nenhum comentário:

Postar um comentário